Este é um livro fora do comum. A começar pelo título, que remete para um mistério renascentista – “acqua toffana” era um veneno devastador, do qual hoje não se sabe muita coisa, a não ser que ceifou muitas vidas ilustres: «é líquido, transparente, sem sabor e sem cheiro. Uma gota por semana faz a pessoa morrer em dois anos. Causa dores de cabeça, enjoos, náuseas» *(ver mais, em baixo), explica a autora, neste livro que marca a sua estreia literária, em 1994.
O argumento toca numa ferida continuamente aberta do Brasil de ontem e de hoje (2020): a violência urbana. Mas que não se pense que se trata de uma reportagem ou uma exploração sensacionalista do noticiário. Este livro vai mais fundo. A autora surpreende pela cadência que imprime à sua linguagem: usa um estilo próprio do romance policial violento como o cinema de cortes rápidos e alucinantes. É um livro sensorial, onde cada palavra se instala, macia e precisa, como uma bala. Macia e precisa, mas também fatal.
Ao longo do livro desenrolam-se duas novelas com o itinerário de uma morte lenta, planeada como uma arte. A sensação de estar dentro da mente de um psicopata é despistada por um humor ácido e ágil — uma das características mais marcantes da autora. Na primeira história, a protagonista, de nome desconhecido, tenta convencer um delegado de que o seu marido é o assassino que violou e estrangulou várias mulheres. Na segunda, o metódico funcionário de um cartório passa a ser atormentado pela presença de uma vizinha, e desenvolve um plano para matá-la. (baseado na publicação). Venha Ler Connosco! este livro que está disponível para empréstimo na Biblioteca Municipal de Ponte de Sor. Ver mais aqui. Também pode ler esta tese muito interessante sobre a escrita da autora.
*[Água toffana: veneno finíssimo que, segundo dizem os adversários da Maçonaria, em remotos tempos, servia para os Maçons fazerem desaparecer os seus confrades falsos, maus e perjuros. Este veneno, também conhecido por Agua de Napoles, Água de Perusa e Água de Tofa, parece ter sido inventado por Teofamia de Adamo, que foi condenada e executada em Palermo, em 1633. (…) Outras versões contam ter havido um processo em Roma, no ano de 1718, no qual, interrogada a criminosa, esta declarou solenemente que só daria a conhecer o seu segredo ao Papa e ao Imperador da Alemanha Carlos VI, que nesse momento estava em Itália. Diz-se que o Imperador confiou o segredo ao seu médico, que por sua vez o comunicou a Frederico Hoffmann, que em 1729 publicou uma obra com dados curiosos sobre o assunto.] in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 1, p. 616.
PATRÍCIA MELO é romancista, dramaturga e argumentista. Publicou “Acqua Toffana” (1994), “O Matador” (1995; Prémios Deux Océans e Deutsch Krimi; nomeação para o Prix Femina de romance estrangeiro; adaptado ao cinema em 2003 com o título “O Homem do Ano”), “O Elogio da Mentira” (1998), “Inferno” (2000; Prémio Jabuti; nomeação para o Foreign Fiction Prize 2003, Inglaterra) e “Valsa Negra” (2003); todos os títulos foram editados em Portugal pela Campo das Letras. Em 1999 a Time Magazine inclui-a entre os cinquenta “Latin-American Leaders for the New Millenium”. As suas obras estão traduzidas em Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda, Grécia, Finlândia e China, entre outros países.

Se gosta deste tema, pode consultar este extenso artigo em Aqua Tofana: slow-poisoning and husband-killing in 17th century Italy, 6 APRIL 2015 / MIKE DASH